Felizmente, podemos dizer que, em geral, o mundo aceita a pregação. Todos os domingos os ministros estão diante das congregações falando sobre Deus e nosso relacionamento com ele. As pessoas ouvem a pregação e consideram o que ela significa. A pregação ocupa um lugar central no trabalho semanal do ministro. As congregações veem a pregação como o centro do culto e perguntam: “Quem vai pregar hoje?” Mas mesmo assim, algo geralmente aceito como sermão não está livre de problemas.
Paulo escreveu sobre isso em 1 Coríntios 1.18, onde usou uma expressão inesperada. Falou da loucura da pregação. Isso levanta a questão se realmente a pregação é loucura. Como é que Deus pode exigir pregação (no mandamento missionário em Mt 28.19, por exemplo) se ela não faz sentido? Por que o próprio Paulo pregava nas sinagogas (At 13.5) e nas cidades (At 14.21), se era uma tolice?
Não é a própria pregação, portanto, que Paulo chama de loucura. É a mensagem que é loucura. A Nova Versão Internacional (NVI) apresenta esta ideia em sua tradução: “a loucura do que foi pregado”. A tradução deixa claro que a palavra “pregação” não se refere ao ato de pregar, mas ao conteúdo da pregação. A tradução está correta, pois o apóstolo Paulo escreveu no v. 23 sobre o “Cristo crucificado” (veja também 2.2). Ao afirmar que a principal mensagem cristã é “Cristo crucificado”, Paulo está dizendo que isto é loucura. 1 Por que esta mensagem é loucura?
Primeiro, há o fato de que esse evangelho fala sobre uma “cruz”. Para os cristãos de hoje, a cruz tem um significado glorioso porque Jesus Cristo morreu em uma cruz. Na realidade, no entanto, é uma maneira horrível de morrer. Não há nada gracioso ou nobre morrer em uma cruz, pois isso significava terrível e prolongada dor. Não era, portanto, uma maneira normal de morrer, mas uma execução usada como advertência para outros. A crucificação lembra a execução de um criminoso. Particularmente falando, pregar sobre um criminoso que morreu na cruz não é nada atrativo.
A isso se deve acrescentar que Jesus Cristo não merecia essa execução. Ele teve que passar por essa punição por nós – em nosso lugar. Somos culpados de muitos pecados. Já no Paraíso, Deus havia dito a Adão que o castigo pelo pecado seria a morte. Desde que as primeiras pessoas cometeram o primeiro pecado, a humanidade continuou a pecar e a morrer. A crucificação e morte de Cristo na cruz nos lembra que merecemos essa morte, com todas as suas implicações, da mesma forma que um criminoso capturado, condenado e dolorosamente castigado. Especificamente falando, este não é um evangelho que deixa as pessoas felizes e satisfeitas. Esta deve ser a mensagem menos atraente de todas. “Loucura” é uma característica apropriada para essa mensagem. Não é de admirar que poucos desejam ouvir essa pregação. As pessoas não querem ser decepcionadas.
Mensagens melhores?
As pessoas preferem recorrer à mensagens alternativas. Existem muitas possibilidades para mensagens mais atraentes. Uma é o evangelho da prosperidade. A proclamação se concentra, não na cruz, mas na bênção. Para dar um exemplo, outra bênção especial parece estar disponível: “restauração de ouro”.2
Isto parece ter começado em Toronto. Durante uma reunião de oração, as pessoas receberam restauração dentária com ouro ou mesmo dentes de ouro. Imagens dessas pessoas exibindo seus novos e brilhantes dentes de ouro são publicadas.
Alguns receberam dentes com um sinal de uma pomba ou de uma cruz gravado. Algo semelhante já foi relatado na América do Sul. Pessoas pobres cujos dentes estavam em mau estado, receberam milagrosamente dentes saudáveis que pareciam novos. E a melhor notícia vem do Chile, onde as pessoas podem mostrar restaurações feitas com ouro e pequenos diamantes.3
A questão mais importante não é se podemos explicar ou refutar esses relatos. É muito mais importante considerar o conteúdo do evangelho proclamado. Esse evangelho de que basta acreditar e Deus abençoará você com boa saúde e dentes saudáveis é atraente. É um evangelho otimista que promete bênçãos promissoras de bem-estar, saúde e prosperidade. É um evangelho edificante num momento em que as pessoas estão muito preocupadas com a saúde e a boa aparência. Obviamente isso é um exemplo extremo. Também há menos “melhorias” de longo alcance no evangelho da Cruz. Outro exemplo é o evangelho da tristeza e do apoio. Contam-se histórias sobre pessoas em situações de pobreza e doença que precisam do nosso dinheiro. Fotos e histórias mostrando a situação impressionam as pessoas. Os ouvintes são chamados a ajudar os pobres e sem teto deste mundo. Se não fizer nada, a pessoa se sente desprezível. Ser capaz de fazer algo, no entanto, faz o doador sentir-se bem. Um evangelho no qual as pessoas são informadas de que podem fazer alguma coisa em relação à tristeza neste mundo é muito mais atraente do que um evangelho sobre o Cristo crucificado.
Outra ameaça para o evangelho vem da nossa cultura do entretenimento. As pessoas que ouvem o sermão são as mesmas que escutam transmissões de rádio e assistem aos programas de TV. Profissionais apresentam estes programas de forma interessante, com a intenção de prender e manter a atenção do público. Esses profissionais frequentemente mudam os temas porque o público atual não tem a capacidade de manter a atenção por longo período. Os profissionais da comunicação propõem aos ouvintes ou telespectadores uma interação, pedindo que escrevam ou liguem para o programa. Esses profissionais sabem que perderão “audiência” para outro programa, se eles não conseguirem prender a atenção do público.
Os ministros são pressionados a se tornarem apresentadores populares da mensagem Cristã. Eles podem indicar os problemas da sociedade. Podem apresentar suas críticas sobre tudo. Mas combater o pecado pessoal não é uma boa ideia. Focar no Cristo crucificado não é uma novidade. Os membros da igreja atual não têm paciência com isso. Eles procuram por um ministro diferente, alguém que seja um comunicador melhor, com uma visão mais otimista. As pessoas mudam de igreja tão facilmente como mudam de canal, se o que estão assistindo esteja chato.
A cruz de Cristo
O que os pregadores podem fazer quando trabalham numa situação em que as pessoas não gostam de sermões? É sempre bom, é claro, considerar a crítica. É possível que a comunicação não seja como deveria ser, e que o pregador poderia fazer melhor. Ele deve alcançar os ouvintes. A apresentação é importante. A “embalagem” deve ser boa.
No entanto, terá que ser uma “embalagem” do verdadeiro evangelho. O evangelho não diz que os ouvintes são ótimas pessoas que devem contribuir ricamente para uma boa causa. O evangelho, no seu núcleo, é sempre a pregação do Cristo crucificado. Isso significa que é um evangelho que enfatiza o pecado e o castigo. A cruz simboliza quão terríveis são os nossos pecados: tão terrível que uma severa punição é requerida. O evangelho não é uma história agradável sobre a ajuda que damos ou benefício que recebemos, mas uma dura história do castigo que merecemos e a cruz como o único caminho de salvação.
Não é sem razão que os Judeus preferiram que o pregador realizasse sinais miraculosos. Eles ficariam impressionados e teriam uma boa razão para segui-lo. Os gregos prefeririam ouvir sobre a profunda sabedoria – verdade espiritual – para ajudá-los a entender o mundo. Ambas as mensagens são mais atraentes do que a pregação da cruz, que sempre lança nossos pecados em nosso rosto. O evangelho é loucura, se olharmos a partir de uma perspectiva humana. Como uma mensagem, é um desastre.
Ele é, no entanto, o evangelho da cruz de Cristo. O Senhor tomou aquela cruz sobre si. Ele a carregou em vergonha foi pregado em meio a dor e morreu sobre ela. A mensagem da cruz é muito mais do que falar sobre uma morte horrível, também fala de alguém que sofreu a morte da rejeição por seu povo. A vida está em Jesus Cristo. Toda a nossa vida é determinada por isso.
Na pregação, esta mensagem pode ser elaborada de várias maneiras. Existe uma grande variedade de textos nas Escrituras que mostram vários aspectos de nossa vida diante de Deus. Um pregador pode, em cada texto, continuamente descobrir novos aspectos. Todos esses aspectos encontram sua origem em Cristo. Mais que isto, eles encontram sua origem na cruz de Cristo. Todo o nosso relacionamento com Deus está ancorado no fato de que Jesus Cristo morreu por nós.
Portanto, é impossível transformar o evangelho em uma história superficial de segurança financeira ou bem-estar emocional. A cruz de Cristo deve ser o centro da pregação. Isso não significa que o pregador deva mencionar a cruz em cada parte, ou mesmo em todos os sermões, mas deve estar no interior de nossa mente e deve determinar a direção para que entendamos a Palavra de Deus.
No final, ele resume tudo à decisão de Deus. Paulo escreve: “Agradou a Deus salvar aqueles que creem por meio da loucura da pregação”. (1Co 1.21b)
Deus determinou que a cruz de Cristo fosse o caminho da salvação. É o que deve ser pregado e é isso o que nós devemos crer. Especialistas em comunicação podem gritar e dizer que estamos fora de contato com a realidade e que as pessoas não querem mais ouvir esta mensagem. Eles podem estar certos. No entanto, esse Evangelho desagradável da cruz é a única base sólida para a vida Cristã.
Notas:
1 Teria sido melhor a NVI não usar o passado: “o que foi pregado”. Como Paulo está falando em geral sobre o conteúdo da pregação, deve ser traduzido como: “o que é pregado”.
2 Uma prática esquisita do meio carismático provavelmente associada à “Bênção de Toronto”. Os adeptos desse movimento afirmam que durante uma de suas reuniões tiveram suas restaurações dentárias comuns feitas com amálgama transformadas em ouro. Chegam ao ponto de citar, obviamente fora do contexto, o Salmo 81.10: “Abre bem a boca, e ta encherei”. [N. do T.]
3 Veja o relatório em Nederlands Dagblad, 1.o de maio de 1999.
Artigo publicado originalmente na Clarion Magazine, 1999.
Tradução: Sidnei Lugão.
Revisão: Waldemir Magalhães.
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