Ministério da Palavra

Capacitando ministros

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Uma das questões fundamentais nas discussões com as Igrejas Reformadas Unidas diz respeito ao treinamento teológico. As Igrejas Reformadas do Canadá defendem e apoiam o princípio de que o treinamento deve estar sob o controle das igrejas. “Pelas igrejas e para as igrejas” foi o lema da tradição da Secessão, incluindo o desenvolvimento desta tradição no novo mundo. O desenvolvimento das correntes liberais no Seminário de Calvino levou muitas das Igrejas Reformadas Unidas a serem menos propícias a esse princípio, e a apoiar o uso de seminários não denominacionais, com mais de uma condição de abordagem aos professores de teologia.

Esta questão também está em discussão entre as Igrejas Reformadas da África do Sul (o chamado Dopper kerk). Lá a escola teológica tem uma relação de trabalho mais próxima com a Universidade de Potchefstroom. Recentemente, foram realizadas discussões para fundir o corpo docente do Colégio na universidade e para introduzir toda a instituição educacional (duas escolas em um único local) sob um único órgão administrativo. O caráter singular da escola teológica como escola das igrejas está desta forma, sob ameaça. Observando a situação no artigo Verdade e Engano (Waarheid en Dwaling, outubro de 2001), o editor-chefe Dr. J.G. Meijer analisa alguns dos princípios e trajetória deste assunto para nós (minha tradução, JDJ):

No século XIX, estudantes teológicos foram treinados na universidade. As igrejas da Secessão afastaram-se desta prática. Eles não confiaram a formação de seus futuros ministros às universidades, contudo eles mesmos, assumiram a sua formação.

Este treinamento eclesiástico é estruturado com base em um antigo conceito reformado. O bem conhecido Sínodo de Dort dizia no Artigo 2: Os ofícios são de quatro tipos: dos ministros da Palavra, dos Doutores da Teologia, dos Anciãos e dos Diáconos. O termo “doutor” no Artigo 2 não se refere a um grau teológico. “Doutor” na Ordem da Igreja de Dort é um ministro que a igreja separou para treinar futuros ministros da Palavra.

Os professores reformados de teologia deveriam ser oficiais eclesiásticos, de acordo com o Artigo 2, Ordem da Igreja. O conteúdo de seu ofício foi descrito no Artigo 18 da Ordem da Igreja de Dort. O treinamento dos ministros tem sido considerado por gerações como um assunto eclesiástico, e sempre foi mantido como tal. As igrejas Seceded retornaram à Ordem da Igreja de Dort. Quando as Igrejas Reformadas da África do Sul começaram, eles também se voltaram com seus irmãos holandeses à Ordem da Igreja de Dort. Sobre o que este princípio é baseado?

Um princípio bíblico

Muitas das provisões na Ordem da Igreja são baseadas na Palavra de Deus e na sua  confissão. A formação de ministros por oficiais eclesiásticos é também um princípio fundamentado nas Escrituras.

Na antiga Dispensação, os levitas eram responsáveis ​​pelo ministério dos sacrifícios e pelo treinamento do povo na lei do Senhor (Lv 10.11; Dt 33.10; cf. Ml 2. 6, 7). Para ser capaz de realizar o treinamento, o próprio levita evidentemente tinha de ser capacitado. Embora não tenhamos lido nada sobre isso no Antigo Testamento, provavelmente havia escolas que preparavam os levitas para sua função. Levita capacitava levita. Samuel, um levita, recebeu seu treinamento do sumo sacerdote Eli (1 Sm 2.11). Os levitas que foram bem treinados nas Escrituras, eram conhecidos após o exílio como mestres da Lei. Esdras era um líder no meio deles (Ed 7. 6, 11).

Quando o coração do povo se afrouxou neste chamado à fé, o SENHOR enviou seus profetas. Uma geração de profetas iniciou seus trabalhos sob o governo de Samuel, numa época em que a palavra do Senhor era escassa. Os filhos dos profetas que apareceram mais tarde foram homens que em um tempo de apostasia foram treinados por Elias e Eliseu. Vários grupos de profetas receberam treinamento em diversos lugares. Elias e Eliseu tinham escolas em Betel, Jericó e Gilgal. O profeta Isaías também teve sua escola (Is 8:16).

O treinamento dos profetas pelos profetas é tão habitual em Israel que Amós observa como ele é uma exceção à regra. “Eu não sou profeta, nem discípulo de profeta, mas boieiro e colhedor de sicômoros” (Am 7.14). Amós foi um profeta, de acordo com o Artigo 8 da Ordem da Igreja, ou seja, um profeta sem um treinamento eclesiástico formal.

A regra do treinamento eclesiástico também permanece em vigor na nova Dispensação. Nosso Salvador escolheu doze discípulos, doze aprendizes. Durante os três anos de Seu ministério, Ele os treinou para se tornarem apóstolos. Foram treinados e preparados para que, após a ascensão, pudessem pregar oficialmente as boas novas de Jesus Cristo.

Os apóstolos, por sua vez, tomaram seu lugar neste treinamento. Paulo instruiu Lucas em seu percurso missionário  para que este médico estivesse capacitado para escrever dois livros do Novo Testamento: seu evangelho e o livro de Atos. Os apóstolos falam de seus discípulos como crianças ou filhos. Pedro preparou a Marcos, o escritor do evangelho que leva seu nome. Paulo é o pai espiritual de Timóteo e Tito.

Mas, e a geração depois dos apóstolos? O princípio da formação eclesiástica sempre permanecerá em vigor. Paulo denominou Timóteo para treinar as próximas gerações de pregadores com as palavras: “E o que de minha parte ouviste através de muitas testemunhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e também idôneos para instruir a outros” ‭(‭2 Tm‬ ‭2.2).

Vemos na formação oficial dos Ministros da Palavra, tanto no antigo quanto no novo Pacto, o benigno cuidado do Senhor por Seus filhos. Ele, em todos os tempos, deu homens que anunciaram Sua palavra em pureza. O SENHOR continua até hoje a cuidar do alimento espiritual de Seus filhos.

Ele não faz isso sem envolver Sua igreja no processo. Seu povo precisa aceitar toda a responsabilidade pela formação dos seus oficiais. O SENHOR chama Seus filhos a confiar a proclamação do evangelho aos homens que estão preparados para ensinar também de geração em geração. A função do “doutor” no Artigo 2 C.O.,(seria correto usar O. I., em vez de C. O.?) baseia-se sobre a Bíblia. O treinamento de ministros pela igreja é um princípio bíblico fundamentado.

Um princípio não negociável

Formando ministros pela igreja. Cerca de quinze anos após a Secessão, surgiu um conflito na Holanda com relação a esse princípio baseado nas Escrituras. Em 1880, a Universidade Livre foi criada em Amsterdã. O Dr. A. Kuyper apresentou sua palestra inaugural sobre “A soberania das Esferas”. Ele dividiu a vida social em várias esferas e afirmou que cada esfera tinha seu próprio princípio de soberania. Segundo ele, a igreja não foi chamada para praticar ciência, devendo deixar a prática da ciência para as universidades. No início da soberania das esferas, a docência teológica da universidade também tomou forma.

Alguns anos mais tarde veio a Doleantie, a segunda divisão da Igreja Reformada da Holanda em 1886. O Dr. A Kuyper assumiu uma posição de liderança na igreja “dolerende”. Uma das diferenças entre as igrejas separadas e a igreja dolerende era a formação de ministros. A questão era: Pode a capacitação pelas igrejas dar espaço para uma formação acadêmica? Ambas as federações discutiram essas diferenças em seus respectivos sínodos após 1886. No Sínodo de Leeuwarden em 1891, os irmãos separados decidiram no que diz respeito ao treinamento de ministros: essa capacitação deve ser realizada em nossa própria instituição eclesiástica.

Os irmãos Dolerende reagiram a isso no Sínodo de Haia. Eles mencionaram que as igrejas unidas precisariam julgar a respeito da questão e regulamentação. Este sínodo fez toda a questão negociável. Contudo,  as igrejas separadas não concordaram com este posicionamento. A capacitação dos ministros pelas igrejas, era para eles uma questão primordial. As igrejas não estavam preparadas para negociar este assunto. O Sínodo de Haia aceitou o conceito da formação eclesiástica ao qual manteve as igrejas separadas. As igrejas separadas e dolerende colocam o lugar integral de uma instituição eclesiástica para a formação do ministério na chamada “condição” adotada em 1892 como parte do processo sindical. Assim, o princípio da formação eclesiástica permaneceu inegociável.

Dez anos mais tarde, as Igrejas Reformadas se encontraram no Sínodo de Arnhem. Este sínodo com dificuldades consideradas, sendo completamente contra o acordo de 1892,  a fim de que a escola em Kampen seja unificada com a faculdade teológica da Universidade Livre. Esta decisão comprometeu a unidade da nova federação, uma vez que os irmãos separados não estavam prontos para sacrificar seu inegociável princípio de uma instituição independente para a formação do ministério. Para prevenir um cisma, o mesmo sínodo decidiu não executar a sua própria decisão no que diz respeito a unificar a escola com a faculdade, na Universidade Livre.

Capacitar pela igreja e para a igreja é e continua sendo um princípio não negociável para as igrejas decorrentes da secessão em 1834. Até esta data as igrejas liberadas mantêm um seminário em Kampen e as igrejas Christelijke Gereformeerde têm uma ‘escola das igrejas’ em Apeldoorn. Esta é uma  formação onde as igrejas têm todo o poder de decisão sobre o curso, uma escola com auxílio do estado.

Faz alguma diferença se nossos ministros são treinados em uma universidade ou em uma instituição eclesiástica? A pergunta sobre quem é responsável pelo treinamento é estritamente formal? Vamos dar uma visão global das diferenças.

Professores da Escola Teológica estão a serviço das igrejas. São chamados por mandato e confirmados por nomeação eclesiástica. Os professores de uma universidade não estão a serviço das igrejas. Eles não são chamados de maneira eclesiástica, nem são ordenados a um ofício eclesiástico. O conselho da universidade os indica. Um ministro que aceita a nomeação em uma universidade deixa o serviço da igreja, ocupa uma posição na universidade e assim passa para outra condição de vida (ver Artigo 12 da Ordem da Igreja). Os professores da Escola Teológica ocupam um ofício eclesiástico com todas as consequências relacionadas a isso. Na universidade, professores teólogos ocupam uma posição acadêmica de educadores.

A diferença de posição também se reflete em seu trabalho. Os professores eclesiásticos, chamados e ordenados pelas igrejas, são convocados para treinar ministros da Palavra, para que interpretem corretamente as Sagradas Escrituras e defendam a doutrina pura contra a heresia e a apostasia.

Chamados pela igreja, eles também trabalham para as igrejas. Professores de uma universidade são nomeados para realizar trabalhos acadêmicos. Este trabalho é direcionado para objetivos puramente acadêmicos. Já os professores das Escolas Teológicas também se envolvem com trabalhos acadêmicos, contudo de forma mais constante em prol do treinamento e de todas as igrejas. No entanto, nas universidades não existem objetivos eclesiásticos.

Outra diferença significativa é o acompanhamento e a supervisão dos professores. Os professores da Escola Teológica, como oficiais eclesiásticos, estão sob a supervisão das igrejas. As igrejas designa mestres que monitoram cuidadosamente o treinamento que é dado. Os professores em uma universidade estão sob a supervisão de um senado e da diretoria da universidade. A supervisão eclesiástica direta não está presente. O equívoco pode arrastar-se muito mais facilmente em um contexto universitário, do que nas igrejas que cumprem fielmente seu “papel de sentinela”.

Finalmente, há uma diferença no pagamento dos professores. As igrejas cuidam do sustento de seus oficiais. Os oficiais eclesiásticos recebem um honorário, também durante os anos de emeritação. (recebem um honorário também quando se tornam eméritos) As igrejas não recebem nem aceitam subsídios do Estado. Eles afastaram qualquer interferência do lado do governo para manter a autoridade absoluta sobre o treinamento. Os professores de uma universidade recebem um salário que, na maioria dos casos,  é subsidiado pelo governo.

Em suma, os “doutores” são chamados pelas igrejas e ordenados ao seu ofício. Eles trabalham para as igrejas, ficam sob a supervisão das igrejas e recebem um honorário. Os professores de Teologia de uma universidade são nomeados para seus cargos. Eles trabalham para uma instituição acadêmica, ficam sob a supervisão de seus conselhos administrativos e recebem um salário da universidade que, em cerne, é subsidiado pelo governo.

Precisamos voltar ao modelo de Dort no que diz respeito ao treinamento para o ministério para e pelas igrejas. Esse princípio está fundamentado nas Escrituras. Essa premissa levou nossos pais na Holanda e na África do Sul na formação eclesiástica dos Ministros da Palavra.

A preservação desse princípio também diz respeito ao bem-estar das igrejas das futuras gerações. O SENHOR estabelece altos padrões para a administração de Sua Palavra. Este é o meio pelo qual o Espírito Santo trabalha e fortalece a fé. Um consistente treinamento reformado e acadêmico de nossos futuros ministros é da mais alta importância para o crescimento da fé e a futura expansão da igreja.

Uma coerente defesa

O artigo do Dr. Meijer faz uma sólida defesa da tradição mantida por nossas igrejas. Certamente, o seminário federativo não sugere uma garantia absoluta de fidelidade confessional. Contudo, é muito mais fácil manter a disciplina e o bom ensino quando as igrejas retêm o controle sobre o treinamento do que se o sacrificassem para outras pessoas sobre as quais não têm supervisão direta.

Dr. Meijer diz que os “doutores” mencionados no Artigo 2 da Ordem da Igreja de Dort eram ministros. Mas, acredito que eles eram em sua maioria professores de universidades como Leiden, Franeker e Groningen. Naquela época, o treinamento para o ministério era de fato uma parte do treinamento nas universidades, que eram na maior parte Reformadas. Foi somente durante o conflito arminiano que as igrejas começaram a construir defesas mais fortes contra o equívocos. No entanto, na época, as nomeações na universidade eram feitas pelas autoridades civis, com as igrejas exigindo apenas que seus desejos fossem reconhecidos. Nas gerações posteriores, as igrejas começaram a ver seu chamado mais claramente a esse respeito.

O ofício de “doutor” na ordem da igreja não se refere a um ofício bíblico em si, mas estritamente uma função nas igrejas como elas existiam na época do Sínodo de Dort. O Sínodo de Dort não queria sugerir que o ofício de “doutor” fosse encontrado nas Escrituras ou que tivesse um caráter permanente. Apenas procurou dar uma descrição da ordem dos ministérios como eles foram instituídos naquela época. Ao mesmo tempo, não havia dúvida de que um professor estava sendo ordenado para a tarefa para a qual ele era chamado. Talvez, alguns fossem anteriormente ministros, mas outros não eram. As igrejas simplesmente procuraram ter seus desejos reconhecidos no ensino nas universidades e escolas de nível superior.

Em nosso  próprio contexto, os professores também não ocupam um gabinete ministerial. Eles retêm a honra e o título do ministro da Palavra, mas não estão envolvidos em nenhum ministério ativo. O Sínodo de Orangeville (1968) usou o Artigo 6 da Ordem da Igreja para qualificar sua posição, mas isso também não é uma solução ideal, apenas improvisada. No entanto, através deste veículo, as igrejas não apenas mantêm o controle sobre o treinamento na escola, mas também sobre o trabalho que um professor faz quando administra a Palavra ou realiza alguma outra função ministerial a pedido do Conselho. E esse é o ponto essencial! Os ganhos da Secessão não devem ser perdidos quando discutirmos as questões da unidade da igreja, mas devem ser explorados ao máximo. Isso dá mais segurança em relação ao futuro!


Tradução: Alaíde Monteiro.

Revisão: Ester Santos.

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