Alguém chega em uma Igreja Reformada e ouve, do púlpito, o ministro dizendo que o sermão daquela manhã (ou daquela noite) está baseado na doutrina do Domingo “X” do Catecismo de Heidelberg. De repente alguém questiona: O quê? Mas, o ministro não pregará a Bíblia? E o princípio reformado do Sola Scriptura?
Como um seminarista, ouvi certa vez um doutor muito piedoso dizer que a pregação no Catecismo é uma desonra às Escrituras. E então, como responder a estas confrontações? Será que as Igrejas Reformadas não dão a honra devida às Santas Escrituras em um dos seus cultos? Por que não deixar o catecismo somente para um momento de estudo? Esta questão sobre o porquê das Igrejas Reformadas terem pregações no catecismo é o tema deste artigo.
Tentarei ajudar os oficiais que estão supervisionando as pregações em suas igrejas, mas que por outro lado ainda estão em dúvida sobre o valor da pregação no catecismo. É importante que cada oficial dentro das Igrejas Reformadas tenha base suficiente para responder aos questionamentos.
É claro que não estarei sozinho nesta abordagem, mas usarei o árduo trabalho de dois estudiosos do Regimento Eclesiástico de Dort. Seus nomes são, Idzerd Van Dellen e Martin Monsma. Em seu comentário sobre a Ordem da Igreja eles fazem uma boa exposição sobre o artigo 42 que podemos encontrar em nosso Regimento Eclesiástico.1 Convém citar este artigo antes de tratarmos do mesmo: Artigo 42. Pregação no Catecismo: “O conselho cuidará de que, por via de regra, a doutrina da Palavra de Deus, resumida no Catecismo de Heidelberg, seja ensinada uma vez a cada domingo”.
Como um bom reformado, nosso tema será divido em três pontos.
1. O Propósito e Valor da Pregação no Catecismo
O Catecismo de Heidelberg, o segundo dos padrões doutrinários das Igrejas Reformadas, foi escrito em Heidelberg a pedido do Eleitor Frederico III, governador, entre 1559 e 1576, da mais influente província alemã, o Palatinado. Esse piedoso príncipe cristão comissionou Zacarias Ursinus, vinte e oito anos de idade e professor de Teologia da Universidade de Heidelberg, e Gaspar Olevianus, vinte e seis anos de idade e pregador da corte de Frederico, para que preparassem um catecismo para instruir os jovens e guiar pastores e mestres.
Na preparação do Catecismo, Frederico contou com o conselho e a cooperação de todo o corpo docente de Teologia. O Catecismo de Heidelberg foi adotado pelo Sínodo de Heidelberg e publicado na Alemanha com um prefácio de Frederico III datado de 19 de janeiro de 1563. Uma segunda e terceira edição alemã, com alguns pequenos acréscimos, além de uma tradução latina, foram publicadas em Heidelberg nesse mesmo ano. Logo cedo o Catecismo foi divido em cinquenta e duas seções para que cada uma delas pudessem ser explicadas às igrejas a cada domingo do ano.
O Catecismo de Heidelberg é um breve e prático resumo do caminho da salvação revelado nas Sagradas Escrituras. Ele cobre todos os campos das doutrinas essenciais da verdadeira fé. Nossas igrejas mantêm a máxima de que os crentes devem ter um claro entendimento da maneira como Deus salva o seu povo. É por esta razão que este documento de fé é usado nas classes de catequese de nossas igrejas. Ele fala da queda dos nossos primeiros pais, da falta de condições do homem para se salvar, da graça redentora de Deus em Cristo Jesus, e da nossa gratidão em Cristo.
Quando o ministro prega sobre os temas do catecismo sistematicamente ele está imprimindo nos crentes os fundamentos da fé cristã como revelados nas Escrituras. A pregação no catecismo assegura ao ministro que ele pregará todo o conselho de Deus, não conforme os seus próprios conceitos, mas conforme o conceito comum de todas as igrejas fiéis.
A pregação no catecismo também assegura a igreja de que ela não ficará a mercê das preferências textuais dos ministros. Ou ainda mais triste – e não longe da possibilidade – dos seus desvios teológicos. Ao pregar no catecismo, todo ministro deve ser leal ao conteúdo doutrinário que está exposto ali. Ele trará o conforto de Cristo às suas ovelhas por meio daquelas doutrinas gloriosas.
A acusação de que ao pregar no catecismo o ministro esteja desonrando as Escrituras é falsa. Pois a cada verdade exposta neste documento de fé podemos ver não poucos textos que sustentam aquela verdade. Para cada afirmação de fé o catecismo nos faz passear pelas Escrituras e verificar a veracidade daquela afirmação. Sendo assim ao passear pelos textos das Escrituras o ministro não está oferecendo suas próprias conclusões, quer dizer, pregando conforme a palavra de um homem, mas conforme a Palavra de Deus. Isto é manter o princípio reformado do Sola Scriptura.
2. A Origem da Pregação no Catecismo
O costume de pregar uma pregação catequética (ou doutrinária) uma vez por semana é antigo. As Igrejas Reformadas na Holanda copiaram este costume de outras Igrejas Reformadas fora do país, onde já acontecia desde 1566. A questão da pregação no catecismo chegou até o Sínodo que aconteceu na cidade de Dort em 1574. Ali o Sínodo foi perguntado se não seria aconselhável os ministros fazerem bons sermões no catecismo. Em 1578, o Sínodo de Dort decidiu que após a realização da Santa Ceia o ministro deveria prosseguir para a pregação no catecismo. Entretanto, a primeira decisão sobre o catecismo ser pregado nas Igrejas Reformadas em geral aconteceu no Sínodo de Gravenhade em 1586. A partir dali os ministros deveriam pregar no catecismo ordinariamente nos cultos à tarde no domingo. A explanação do catecismo deveria ser concluída no final de um período de um ano, conforme a divisão dos 52 Domingos (ou Dias do Senhor).
Mas durante o tempo do grande Sínodo de Dort (1618/1619) os ministros estavam falhando em cumprir com a decisão de 1586. Esta falha se devia a vários fatores: a) a decisão dizia que a pregação no catecismo deveria acontecer nos cultos da tarde, e estes cultos não eram bem frequentados. Muitas pessoas nesta época ainda insistiam em ter diversão e trabalho à tarde ao invés de irem para a igreja; b) havia vaga de pastores em várias igrejas. Muitos ministros tinham que atender a mais de uma igreja no domingo; c) os Remonstrantes, dentro das Igrejas Reformadas, estavam se opondo às pregações no catecismo; d) e, finalmente, o governo falhava em manter os domingos como um dia de descanso.
Sendo assim o grande Sínodo de Dort (1618/1619) tomou, em resumo, às seguintes decisões:
1 – Foi reiterada a decisão de 1586. Os ministros que falhassem em cumpri-la deveriam ser censurados.
2 – Nenhum ministro deveria falhar em realizar o culto da tarde, mesmo que fosse pouco frequentado. Caso estivesse ali apenas o ministro e sua família, então a pregação no catecismo deveria acontecer.
3 – As Igrejas manteriam comunicação com o governo, a fim de apelar para a interrupção dos trabalhos não essenciais no domingo e glorificar o dia de descanso.
4 – Cada igreja deveria se esforçar ao máximo para ter seu próprio ministro.
5 – Os visitadores eclesiásticos deveriam verificar, se as decisões concernentes à pregação no catecismo estava sendo mantida. Se existisse um ministro negligente, este deveria ser censurado e reportado ao Classis.2 Membros comungantes que não atendessem aos cultos para ouvir uma pregação no catecismo deveriam também ser censurados.
3. Perigos a Serem Evitados
A pregação no catecismo é uma fortaleza para a igreja. É uma fonte de doutrina ano após ano. Por isso, deve-se lutar pela sua preservação.
O ministro deve cuidar para que uma pregação doutrinária não se torne uma palestra ou uma aula. Pregação catequética não é uma aula, mas sim um sermão. Essa pregação deve estar cheia de textos das Sagradas Escrituras. Estes textos devem dar suporte à doutrina. Na introdução o ministro pode dizer: “Amada congregação, a Palavra de Deus que passarei a explicar e aplicar hoje está resumida para nós no Dia do Senhor X do nosso catecismo”. Então, ele passa para a leitura daquele Dia do Senhor específico. Neste sermão deve haver aplicações para a igreja, exortações, e ao mesmo tempo o consolo de Cristo.
O que fará do sermão doutrinário um sermão conforme a Palavra de Deus será a explicação e aplicação dos textos. A congregação deve ser levada a adorar a Deus pela sua bondade na história do seu povo. Então os detalhes da doutrina devem ser devidamente explicados através dos textos.
Por que falo textos e não texto? Um único texto limita a visão da doutrina em questão. E além disso, um único texto traz aspectos que fatalmente terão que ser explicados, e que por consequência, extrapolarão a transmissão da doutrina em questão. Por isso, pregar a doutrina por um único texto que a suporte limitará o sermão catequético. Quanto a linguagem. Ela deve ser simples, de forma que até os iletrados possam entendê-la.
Conclusão
A pregação no catecismo, devidamente entendida e feita, não é uma desonra às Escrituras Sagradas. Pelo contrário, ela honra a Palavra de Deus por mostrar Deus trabalhando certas verdades na história da redenção. A pregação no catecismo está dentro de uma boa tradição na história da igreja. Ela tem fornecido proteção para a igreja. Ela tem preparado a igreja para combater o bom combate e guardar a verdadeira fé.
Especialmente no contexto em que vivemos, onde Satanás usa a falácia de que a doutrina divide e não une, que possamos nos unir com a verdadeira igreja de todos os tempos na verdadeira fé. Que estas maravilhosas doutrinas não sejam algo que fiquem apenas dentro de nossas cabeças, de forma que nos tornemos pessoas arrogantes e orgulhosas, mas que nos humilhe. A verdade de Deus humilha o homem, mas exalta a Sua majestosa glória. Que a partir da percepção dessas preciosas doutrinas somente o nome do nosso Deus e Pai, Filho e Espírito Santo possa ser glorificado.
Notas:
1 Para acessar o Regimento das Igrejas Reformadas do Brasil, visite: http://www.igrejasreformadasdobrasil.org/confederacao/regimento. [N. do E.]
2 O Classis é a designação no regimento de Dort para uma das assembleias eclesiásticas dentro da política reformada. O Classis é formado por representantes de igrejas irmãs vizinhas. As assembleias eclesiásticas nos antigos regimentos são: O consistório, o classis, o sínodo particular e o sínodo geral ou Nacional. As Igrejas Reformada do Brasil (IRB) não adotaram esses nomes no seu primeiro regimento de 2000. No primeiro regimento das IRB havia apenas: “Conselho, concílios regionais e concílio nacional”. Após 2006, com o fim do concílio regional sul, o Regimento foi alterado e o nome “concílio” foi o designativo para todas as assembleias maiores. [N. do E.]
Revisão: Fábio Galvão.
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